Como sair do fundo do poço
Já ouvi dizer algumas vezes que “do fundo do poço, a única saída é pra cima”.
Isso é dito num tom motivacional e carrega um discurso do tipo: se não tem como ficar pior, a tendência é melhorar.
Bom, primeiro que eu acho que a tendência, muitas vezes, é permanecer no fundo do poço, na verdade. Pode parecer um lugar confortável. É fácil, fácil confundir com uma toca quentinha e segura. Mas enfim, dá pra escrever todo um outro texto sobre isso.
Quanto a sair do fundo do poço, tenho uma teoria diferente.
Não adianta tentar sair por cima.
Quando pensamos em fazer isso, estamos querendo voltar pra onde estávamos antes. “Eu estava tão bem antes, quero voltar a ser aquela pessoa que eu era. Quero voltar pra onde eu estava antes de vir parar aqui”. Aí, depois de, a duras penas, recuperar sua dignidade pelo menos o suficiente pra erguer a cabeça, olhar ao redor e decidir que não quer mais estar ali, você começa a tentar voltar pra cima.
Você vai lá, finca os dedos na terra das paredes que te cercam e começa a tentar escalar. Você até consegue pegar um impulso e avançar um pouco, mas logo mais sente a terra ceder nas suas mãos e você perde todo o apoio. Cai no fundo de novo, sentindo um baque nas costas ainda, pra piorar.
Você tenta se recompor e recomeçar a escalada, indo por outra parte dessa vez. Mas pode ser que nesse outro pedaço do poço a terra seja dura demais pra você se prender com as mãos e pés e o máximo que você consegue é arranhar as paredes nessa tentativa. Se insistir muito, capaz de perder uma unha e logo desistir se sentindo pior do que antes.
A frustração é enorme, por que você já tá em pé — e não mais com a cabeça apoiada nos joelhos tentando se encolher até sumir ou então chorando em posição fetal — disposta a se esforçar pra sair dali e sabendo onde você quer chegar: lá em cima, de onde você veio, onde você antes estava tão bem.
Você só consegue olhar pra cima, pra aquela luz que vem de fora do poço e lembrar de como era bom lá.
Então. A minha teoria é de que do fundo do poço não tem volta.
Você nunca vai voltar pro lugar onde você estava antes de chegar ali. É impossível você voltar a ser a pessoa que você era antes de ter passado por isso. Fazer isso seria como voltar no tempo, não como retornar geograficamente. Não dá, não tem volta.
Mas tem saída sim.
Uma outra frase meio batida é “ainda vai piorar antes de melhorar”. Com essa eu concordo mais.
Pra sair do fundo do poço, você não vai voltar por onde você veio. Nem com ajuda de outras pessoas — nenhum amigo vai ter uma corda forte o suficiente pra simplesmente te içar de lá até a superfície (seria bom, né? imagina só).
Como eu falei, tem saída. Mas ela não vai estar pronta, óbvia como uma luz brilhando diante de você e indicando seu destino. Acho que já tá dando pra imaginar qual é minha teoria, né?
A saída é por baixo, amiga. É, você vai ter que cavar. Bastante.
Pra sair do fundo do poço, você vai ter que se dar conta de que ele não é só um buraco, uma armadilha da qual você tem que escapar pra voltar o quanto antes e continuar a trajetória que você vinha fazendo. Ele é um túnel. Ou melhor, pode ser um túnel — assim como pode ser uma toca.
A não ser que você queira transformar o fundo do poço no seu novo lar, podendo até berrar pros seus amigos de lá de baixo, falando que tá tudo de boa e que lá é até confortável, que você já se acostumou com a umidade e os vermes que vivem lá com você, você vai ter que cavar.
Pode ser que você tenha ajuda, que alguém consiga te jogar de lá de cima uma pá ou uma enxada, pra você não ter que cavar só com as mãos. Mas não tem como fazerem o trabalho todo por você (por mais que quisessem).
Então, esquece aquela trajetória que você vinha fazendo antes de chegar no fundo do poço. Já era, pra lá você não volta. Não pelo mesmo caminho, pelo menos.
Você vai cavar sem saber direito pra onde, sem mesmo saber se vai, de fato, chegar a algum lugar. Você vai cavar e isso vai te cansar, mas vai te fortalecer. Você vai cavar e vai ser difícil e demorado, mas vai ser mais efetivo do que tentar escalar as paredes de terra. O poço vai parecer cada vez mais fundo e isso vai dar um baita medo, por que aquela luz familiar lá em cima vai ficar cada vez mais distante e por que à sua frente vai estar tudo escuro.
Cada vez mais no fundo da terra, sabe-se lá o que você vai encontrar. Mais vermes talvez. Água. Um tesouro. Nada que você possa prever, isso é certo.
Outra coisa é certa também, de acordo com essa minha teoria: se você transformar o poço num túnel (e não numa toca), uma hora você vai chegar do outro lado.
Sendo sincera, vai ser difícil, cansativo, por vezes desesperador e aterrorizante. Não vai ter luz no fim desse túnel te guiando, mas quando você menos esperar, você vai ter aberto caminho para a superfície.
O que teus olhos verão não vai ser aquela luz familiar e aquela trajetória que você queria continuar seguindo. Vai ser um lugar provavelmente desconhecido e inesperado. E, depois de tudo que você atravessou, eu aposto que você vai estar feliz por não ter voltado a ser aquela pessoa que você era antes (não que existisse essa opção realmente), por se ver num lugar totalmente novo, sem trilha marcada, com muito mais possibilidades de trajetórias do que aquela que você pensava que queria continuar seguindo.
Você nunca vai voltar pra onde você estava antes de chegar ao fundo do poço e isso vai ser a melhor coisa de todas.
Não tem volta não. A saída — penosa e solitária — é cavando até chegar do outro lado.